Falhas no Sistema Legal de Responsabilidade Médica: “diaboliza” a prova de culpa do médico e protege pouco o doente

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Está o Direito a contribuir para uma melhor prática da Medicina e para a efetiva sanção dos médicos negligentes? Em grande medida não, conclui um estudo desenvolvido pelo investigador André Dias Pereira, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC) no âmbito da sua Tese de Doutoramento, intitulada "Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica".

E a evidência de que o Direito pouco contribui é o facto de «estarmos, no caso português, perante um sistema de responsabilidade médica que centra toda a investigação na procura da culpa individual (Médico) e esquece a estrutura complexa em que o profissional está inserido. O sistema legal português é ritualista e demasiado demorado, sendo muito difícil fazer prova de culpa do médico. Ao ignorar a complexidade da estrutura, promove-se a ocultação das falhas e dificulta-se o apuramento das causas sistémicas, no sentido de melhorar a medicina e a saúde das gerações futuras, e promove-se a medicina defensiva», salienta o também membro da Direção da Associação Mundial de Direito Médico (World Association for Medical Law).

Na pesquisa, desenvolvida ao longo da última década, são indicados caminhos a seguir. Segundo André Dias Pereira, «o sistema português falha face ao médico, mas, paradoxalmente, falha especialmente perante o doente porque é muito difícil obter prova pelo dano e quando se alcança, os valores de indemnização são modestos. Deve-se apostar num sistema legal que recompense as vítimas de forma célere e crie condições para o estudo do erro médico e desenvolver um direito disciplinar mais rigoroso».

Outro problema analisado no espaço da Tese orientada pelos catedráticos da FDUC, Guilherme de Oliveira e Sinde Monteiro, prende-se com a prática médica moderna, altamente complexa e geradora de “acidentes normais”, em que bastam pequenas falhas no âmbito desta complexidade para acontecerem catástrofes (mortes por infeções hospitalares, por troca de medicamentos ou pelos riscos inerentes à atividade médica, etc.). Se «replicarmos os valores do Instituto de Medicina Americano para Portugal, concluímos que há um número de mortes evitáveis superior a mil por ano e inúmeros casos de grandes incapacidades e outros danos em pacientes», concretiza o investigador.

O estudo observou ainda os Sistemas Legais de Responsabilidade Médica de toda a Europa e concluiu que o modelo francês é o mais equilibrado e é um exemplo a seguir. «Uma comissão de litígio constituída por magistrados e peritos médicos, num prazo de seis meses, apura a responsabilidade do médico, ou não, e em caso de grande incapacidade, o paciente recebe um apoio do Estado, através de um Fundo Nacional para as vítimas de infeções nosocomiais e acidentes médicos. Cria-se um clima de confiança entre as partes, procurando a colaboração do médico na identificação das causas do acidente e dos maus médicos e, sobretudo, apoia eficazmente os doentes”, explica.

Foi igualmente avaliado o “Consentimento Informado”, tendo-se observado que nem sempre os doentes são informados sobre os riscos, as alternativas e os efeitos secundários de um determinado tratamento ou cirurgia. Quando o doente não tem essa informação, «a prática é ilícita e se houver danos o paciente tem de ser indemnizado. P. ex., se um doente vai fazer cirurgia oftalmológica a Laser, tem de ser informado sobre os riscos de cegueira. A relação médico-doente tornou-se muito tecnológica, muito impessoal e o consentimento informado é um momento de repersonalização dessa relação», conclui o investigador, membro (suplente) do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

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