A dignidade na resposta de emergência: o olhar de quem está no terreno
Primeira Conversa Online organizada pela Ajuda em Ação sobre “A dignidade na resposta de emergência”
Numa altura em que o mundo enfrenta diversas situações de emergência, de que modo é que a ajuda prestada pode ser digna para quem a recebe e para quem a presta? Foi sobre este tema que se debruçaram os quatro convidados da primeira conversa online organizada pela Ajuda em Ação sobre “A dignidade na resposta de emergência”.
Empatia e dignidade: os dois ingredientes que não podem faltar numa resposta de emergência
A empatia está ou deve estar presente em qualquer ato de ajuda. Foi com esta premissa que António Alvim, psicanalista e psicoterapeuta, iniciou a reflexão acerca da dignidade na resposta de emergência, uma conversa que contou com a moderação da jornalista Ana Cristina Pereira. Para o psicanalista, “numa emergência, quando ajudamos alguém, é muito natural que sintamos o nosso próprio desamparo espelhado no outro. Aí conseguimos empatizar com o outro, sentir a sua dor e ajudar com dignidade”. Colocar-se no lugar do outro, ouvir e perceber as suas necessidades é um processo essencial para que a resposta de emergência seja eficaz e respeite a dignidade de quem é ajudado, sobretudo num momento em que este já está fragilizado.
Pedro Krupenski, presidente da mesa da Assembleia Geral da Plataforma Portuguesa das ONGD, apresentou alguns exemplos que demonstram como, por vezes, nestas situações, as pessoas têm dificuldade em pôr-se no lugar do outro e, por isso, a ajuda que prestam acaba por não se adequar às verdadeiras necessidades e ao contexto das pessoas ajudadas. Em situações de emergência humanitária, “a nossa tarefa é perceber quais são as opiniões das pessoas, a nossa responsabilidade é escutar e amplificar a sua voz”, reitera Sophia Büller, coordenadora de Ajuda Humanitária na Ajuda em Ação Moçambique. António Alvim notou ainda que “se vamos ajudar a partir do prisma da nossa necessidade, da nossa angústia, e não acolhendo a angústia do outro, é claro que o outro vai chocar connosco e é uma questão de tempo até que comece a rejeitar a nossa ajuda”.
Após as passagens dos ciclones Kenneth e Idai, a Ajuda em Ação esteve no terreno para responder às necessidades mais urgentes e garantir condições de vida dignas para as comunidades afetadas.
De acordo com a experiência dos participantes no debate, todos estes processos de auscultação das necessidades e de criação de empatia permitem garantir a dignidade da ajuda prestada. Mário Rui, diretor de programas da Ajuda em Ação Portugal, revelou como para a ONG foi importante desenvolver uma resposta de emergência em Camarate perante a COVID-19 que fosse, ao mesmo tempo, dignificante para a pessoa que está a ser ajudada e para a própria organização. O diretor de programas da ONG referiu ainda que pretendiam que esta “fosse uma ajuda que acreditasse nas pessoas, que acreditasse na responsabilidade que as pessoas têm nelas para tomar as melhores decisões”.
Cartões ou vouchers: as ferramentas das ONG para promover a dignidade em contexto de emergência
No caso de Camarate - tal como noutros projetos e países onde a ONG atua, nomeadamente em Espanha e América Latina -, a solução encontrada pela Ajuda em Ação Portugal para ir ao encontro das necessidades das famílias apoiadas e preservar a sua dignidade foram os cartões de apoio alimentar. Estes cartões foram distribuídos por 71 famílias – num total de 264 beneficiários - ligadas ao Agrupamento de Escolas de Camarate, parceiro da ONG, ao longo de três fases de entregas e permitiram que estas satisfizessem as suas necessidades mais básicas comprando os produtos que precisavam num supermercado local. Segundo Mário Rui, através desta iniciativa, a Ajuda em Ação procurou promover o conceito de dignidade enquanto forma de autonomia, para que os beneficiários pudessem tomar as melhores decisões para si e para a sua família.
Durante a resposta de emergência à COVID-19, em Camarate, a Ajuda em Ação distribuiu cartões de apoio alimentar a 71 famílias
Como referiram os intervenientes desta primeira conversa online organizada pela Ajuda em Ação, esta é uma solução cada vez mais adotada pelas organizações internacionais em contextos de emergência, porque garante a dignidade das pessoas que pedem ajuda, tornando-as protagonistas do seu próprio desenvolvimento. Ainda assim, como alerta Sophia Büller, nem sempre é possível implementar este tipo de ferramentas. A coordenadora de Ajuda Humanitária da Ajuda em Ação Moçambique assinala que a distribuição de cartões ou vouchers “não é aplicável a todos os contextos de emergência, pois significa que tem de existir um mercado. Se estivermos perante um tsunami ou um ciclone que interrompe o normal funcionamento dos mercados, pode não funcionar”.
Quando possível de aplicar, Sophia Büller acredita que esta poderá ser mesmo uma boa forma de dignificar a ajuda prestada. “Se estamos a falar de dar a voz às pessoas que perderam a sua e dar uma dignidade que está muito ligada à tomada de decisões sobre a sua vida, acho que esta é uma das ferramentas mais eficazes”, começa por explicar, acrescentando que, “em 98% dos casos, as pessoas estão a utilizar o dinheiro realmente para as necessidades básicas e até para poupar”. Mário Rui confirma esta ideia, pela sua experiência em Camarate: “às vezes achamos que estas pessoas não fazem as opções corretas, mas a verdade é que elas as fazem de acordo com as suas necessidades”.
Como manter a dignidade no pós-emergência?
No final do debate, os intervenientes deixaram ainda a sua opinião sobre a dignidade no pós-emergência. O psicanalista António Alvim destacou que a dignidade também assenta numa maior atenção à saúde mental: as “ONG também dão saúde mental, exatamente porque este tipo de ajuda, feita assim com respeito, com empatia, é uma ajuda que narcisa, que confirma o narcisismo do outro”. Mário Rui, por outro lado, alerta para a importância das comunidades se organizarem para que, em emergências futuras, sejam capazes de garantir as respostas que precisam de acordo com as suas necessidades e com a dignidade que estas exigem.
Pedro Krupenski e Sophia Büller reforçaram a necessidade de as tomadas de decisão serem baseadas nas pessoas e não em números para que não se cometam os mesmos erros do passado. Sophia Büller explica que “é muito fácil falar de números”, mas que é fundamental olharmos para as pessoas que estes números representam e perceber quem elas são e o que querem ou precisam. “Tomemos decisões baseadas nas pessoas, no indivíduo, naquilo que somos e que ambicionamos ser e não naquilo que temos e ambicionamos ter”, apelou no final Pedro Krupenski.
A Conversa Online dedicada à “Dignidade na Resposta de Emergência” pode ser vista na íntegra aqui. Esta foi a primeira sessão de um ciclo de conversas online promovido pela ONG internacional Ajuda em Ação que terão lugar mensalmente em julho, agosto e setembro. A próxima conversa online deverá debruçar-se sobre a importância do brincar na rua e como a COVID-19 veio afetar esta dinâmica e trazer novas implicações para o desenvolvimento das crianças.