Conseguirá a Colômbia travar o coronavírus no meio de uma crise de refugiados?
O novo coronavírus chegou à América Latina e o cenário é preocupante. Na Colômbia, um país já marcado pela pobreza e pela crise de refugiados venezuelanos, temem-se agora as graves consequências que a propagação da pandemia possa vir a ter na população local.
Na Colômbia, o número de infetados com coronavírus já ultrapassa os 3 mil
A Colômbia registou o seu primeiro caso de infeção pelo novo coronavírus no dia 6 de março, depois do qual o Governo colombiano decidiu fechar todas as fronteiras - medida que estará em vigor até ao final de maio - e, a 17 de março, decretou o estado de emergência e o confinamento social da população, bem como o encerramento de todas as escolas do país. Apesar da rápida resposta das autoridades, atualmente a Colômbia conta já com mais de 3.105 casos de COVID-19 e 131 mortes. O Governo da Colômbia estima ainda que quase 4 milhões de cidadãos possam vir a ficar infetados com o novo coronavírus.
A esta crise sanitária junta-se uma outra que a Colômbia enfrenta desde 2017: a crise dos refugiados venezuelanos. Devido aos conflitos políticos que a Venezuela tem vivido nos últimos tempos, milhões de pessoas viram-se obrigadas a fugir da fome e da pobreza para se abrigarem em campos de refugiados nas regiões fronteiriças da Colômbia, como no Norte de Santander onde o número de contágios por coronavírus é ainda baixo (25 no total) mas estima-se que possa vir a aumentar rapidamente. Estas migrações começaram em 2015, ano em que a Colômbia registou a entrada de 48.714 venezuelanos, mas, a crise de refugiados ganhou uma verdadeira expressão dois anos depois com a entrada de 600 mil migrantes no país. No final de 2019, a Colômbia abrigava já 1,4 milhões de refugiados venezuelanos.
Populações vulneráveis são as que mais sofrem com a COVID-19
É quarta-feira de manhã e Sharol Amaya España, uma jovem de 15 anos, lava a loiça com a água suja que guardou numa bacia porque no sítio onde vive não existem aquedutos ou esgotos. Esta é a realidade de várias famílias identificadas pela Ajuda em Ação no Norte de Santander. Num momento em que a água pode salvar muitas vidas, lavar as mãos como forma de evitar o contágio pelo coronavírus é um luxo a que muitas pessoas não têm acesso. Desde que a ONG começou a trabalhar na Colômbia, há 12 anos, o acesso sustentável a água potável tem sido um dos pilares centrais da sua ação, sobretudo em zonas rurais onde não existem sequer locais adequados para atender pacientes ou com serviços básicos para evitar o contágio. E onde se encontram milhares de famílias com a de Sharol.
Nesta região, milhares de refugiados venezuelanos vivem em acampamentos sobrelotados, abrigos improvisados ou centros de acolhimento onde não têm acesso adequado a serviços de saúde, água potável ou saneamento e onde a escassez de alimentos começa a sentir-se de uma forma bastante pesada. A situação é semelhante um pouco por toda a Colômbia. Uma parte muito significativa da população vive em bairros com poucas condições de higiene e em casas sobrelotadas, com uma dezena ou mais de familiares, o que propicia uma rápida disseminação do vírus.
Com condições de vida precárias e um sistema de saúde incapaz de dar resposta à pandemia, a população mais pobre e vulnerável da Colômbia deverá ser mesmo a mais afetada pela COVID-19. A Comissão Económica para a América Latina e o Caribe da ONU (CEPAL) anunciou recentemente que o número de pessoas a viver em pobreza extrema na América Latina deverá sofrer um elevado crescimento devido ao surto do novo coronavírus: estima-se que, após a pandemia, o número dispare para os 90 milhões, ou seja, mais 22 milhões do que na atualidade.
Encerramento de escolas na Colômbia evidencia desigualdades sociais e ameaça a nutrição infantil de milhões de crianças
Para tentar travar a rápida propagação do vírus, o Governo colombiano decretou o encerramento provisório de todas as escolas do país. Contudo, a medida acabou por também revelar profundas desigualdades sociais entre as crianças colombianas, com milhões a ficarem impedidas de assistir às aulas virtuais por falta de equipamentos, de acesso à Internet ou até mesmo de professores que tenham condições para as dar. Esta situação não é partilhada por todos e num país como a Colômbia, e especialmente em tempos de pandemia, as desigualdades sociais no seio da população mais vulnerável são gritantes e a educação é um dos direitos que fica esquecido entre a pobreza e quando é imperativo sobreviver.
Além disso, o encerramento de escolas trouxe ao de cima outro problema: a desnutrição infantil. Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), os programas de alimentação nas escolas para alunos com carências económicas beneficiam 85 milhões de crianças em toda a América Latina e Caribe, sendo que para 10 milhões delas as refeições escolares são a sua principal fonte de nutrição diária. Com o encerramento das escolas, teme-se que a fome entre as crianças e as famílias mais vulneráveis de toda a América Latina venha a aumentar consideravelmente.
ONG combatem pandemia com kits de higiene e de prevenção
Na Colômbia, são várias as organizações que têm procurado ajudar o Governo a mitigar os efeitos da COVID-19 junto da população mais vulnerável. No Norte de Santander, por exemplo, a Ajuda em Ação, em parceria com a UNICEF, tem estado a distribuir kits de higiene, kits de prevenção contra o coronavírus e cabazes de alimentos às famílias mais necessitadas.
Já foram entregues a mais de 80 famílias venezuelanas que estão refugiadas no município de Villa del Rosario, 450 kits de prevenção ao coronavírus com luvas, máscaras e folhetos informativos e de sensibilização sobre higiene, saneamento e amamentação. Em La Fortaleza, Cúcuta, serão disponibilizados 250 cabazes de alimentos e 400 kits de higiene a 250 famílias, de forma a apoiar cerca de 1.250 pessoas em situação vulnerável. Por sua vez, em El Salado, a Ajuda em Ação está a concentrar-se no apoio às crianças mais vulneráveis através da distribuição de alimentos às famílias mais necessitadas.