Pedro Neves Marques e a androide indígena YWY chegam ao CaixaForum Barcelona

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O artista português reflete sobre a ecologia, o género e a relação entre o humano e o artificial, criando imaginários futuristas nas suas obras audiovisuais
 

  • A exposição YWY. Visões, do artista português Pedro Neves Marques, com a colaboração da atriz e ativista Zahy Guajajara e comissariada por Rosa Lleó, é fruto do Concurso de Produção da Fundação ”la Caixa” de 2019.
 Pedro Neves Marques (n. 1984, Lisboa) criou um imaginário futurista e distópico onde se reflete sobre o género, as alterações climáticas, a tecnologia, a ficção científica e o povo indígena, protagonizado por uma androide chamada YWY, interpretada por Zahy Guajajara, num cenário em que o Brasil sofreu uma catástrofe ecológica. Este universo desdobra-se em obras de diferentes formatos. 
  • A exposição inclui seis obras, quatro delas audiovisuais, mas também uma instalação sonora e outra com murais de texto. A montagem leva os espetadores a um mundo não muito distante, dominado pelas indústrias extrativas e pela ascensão do fascismo.
 A mostra, desenvolvida em colaboração com o Centro de Arte Dos de Mayo (CA2M) da Comunidade de Madrid, onde também se poderá ver a mesma exposição em linhas gerais, estará patente no CaixaForum Barcelona até 26 de setembro de 2021. 

YWY. Visões. Pedro Neves Marques, em colaboração com Zahy Guajajara. Concurso de Produção. Datas: de 13 de maio a 26 de setembro de 2021. Organização e produção: Fundação ”la Caixa”, em colaboração com o Centro de Arte Dos de Mayo (CA2M) da Comunidade de Madrid. Comissariado: Rosa Lleó. Local: CaixaForum Barcelona (av. de Francesc Ferrer i Guàrdia, 6-8).
 
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Lisboa, maio de 2021. A Fundação ”la Caixa” inaugurou hoje no CaixaForum Barcelona a exposição YWY. Visões. Pedro Neves Marques, em colaboração com Zahy Guajajara. Trata-se da primeira exposição derivada do Concurso de Produção da Fundação, no âmbito do seu Programa de Apoio à Criação Artística. A mostra é organizada pela Fundação ”la Caixa”, em colaboração com o CA2M de Móstoles, centro onde poderá ser vista em simultâneo, numa versão praticamente idêntica à do CaixaForum Barcelona.
O Concurso de Produção da Fundação ”la Caixa”, de caráter bienal, destina-se a todos os artistas interessados em produzir uma obra de arte. O apoio visa facultar os recursos necessários para que a obra possa tornar-se realidade, dedicando especial atenção aos jovens artistas. No caso de Pedro Neves Marques, que ganhou o concurso em 2019, o projeto específico financiado pelo concurso da Fundação ainda não está totalmente concluído, pois a sua realização teve de ser adiada devido à pandemia. De qualquer forma, a exposição inclui obras que fazem parte do próprio imaginário do artista.
YWY. Visões é uma exposição que revela grande parte do mundo futurista e distópico criado por Pedro Neves Marques em 2017, no cenário de um Brasil que sofreu uma catástrofe ecológica. A protagonista desta narrativa de ficção científica é a androide YWY, interpretada pela atriz e ativista indígena Zahy Guajajara, que desempenha um papel bastante ativo no desenvolvimento de todo o projeto do artista. Foi ela própria que deu à personagem o nome YWY, que significa “terra” ou “território” na língua indígena tupi-guarani. A personagem YWY dá voz a uma série de reflexões sobre as cosmologias indígenas, a relação entre o que é tecnológico, humano e natural, o género, a teoria pós-colonial, as alterações climáticas e o próprio conceito de ficção científica.
Nos cenários criados por Pedro Neves Marques, as personagens vivem num mundo dominado pelas indústrias extrativas, como a petrolífera, e pela monocultura da soja. Trata-se de um imaginário violento e sujeito a um rigoroso controlo político e económico que, na verdade, não se afasta muito da atualidade. Neste universo, a androide YWY põe em causa a sua própria condição de máquina, identificando-se com as plantas transgénicas, com as quais estabelece um diálogo e que, como ela, são artificiais e também não podem reproduzir-se. A figura do androide (um robô com forma humana), central em tantas obras do género da ficção científica universal, é paradigmática para falar da fronteira ténue entre seres humanos e não humanos, e também entre inclusão e exclusão, raça e género, e o que se considera natural e artificial. A obra de Pedro Neves Marques mergulha num mundo de ficção científica que tem que ver com outras formas de entender a vida e a biologia, com uma perspetiva mais social e que mostra que as dicotomias entre humano e não humano, homem e mulher, e amigo e inimigo não fazem sentido na atualidade. Na verdade, trata-se de um ensaio que se desdobra em vários formatos sobre outras possibilidades de organização do mundo.
As narrativas de Pedro Neves Marques desenrolam-se em diferentes formatos, especialmente audiovisuais, mas também em instalações sonoras e textuais, bem como através da escrita. Consciente da sua origem europeia e branca, e devido à transversalidade do projeto, o artista trabalha com uma vasta rede de colaboradores, que inclui comunidades indígenas do Brasil, ilustradores, músicos e pensadores. A própria Zahy Guajajara desempenha um papel bastante ativo em todo o projeto, figurando inclusive como colaboradora no título da exposição.
Uma trilogia audiovisual
O corpo do projeto consiste numa trilogia audiovisual em que a personagem da androide YWY serve de ligação entre os vários capítulos. A origem da trilogia é a curta-metragem Semente Exterminadora (2017), que começa com uma fuga numa plataforma petrolífera que poluiu o mar, a terra e o ar da costa brasileira e se está a alastrar ao mundo inteiro. Um dos trabalhadores da plataforma é levado para o Rio de Janeiro, onde se encontra com YWY, naquela que é a primeira aparição da androide na saga. YWY convence-o a procurar trabalho nas plantações transgénicas de soja e milho, plantas tão artificiais como ela.
O segundo capítulo da trilogia, YWY, a androide (2017), é praticamente um retrato íntimo da personagem. Nele vemos YWY a falar com um campo de milho geneticamente modificado na região interior agrícola do Brasil. Falam dos direitos sobre o corpo, da infertilidade, do trabalho e das monoculturas. A androide tem em comum com as plantas transgénicas o facto de serem estéreis e fruto de uma engenharia genética pensada para maximizar os lucros económicos. Trata-se de uma obra centrada na ideia do transgénico, que atualmente se sabe que contribui para a desflorestação dos territórios, uma vez que as sementes estéreis transgénicas só podem ser utilizadas uma vez, e se a polinização as levar aos terrenos vizinhos, acabam com a fertilidade destes. Esta conversa que YWY tem com as plantas enquadra-se nas teorias filosóficas do perspetivismo ameríndio do antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro, que relativizam a separação entre a humanidade, o resto das espécies e todos os elementos da natureza, como nas cosmologias ameríndias. Neste contexto, um ser humano, um animal, uma planta ou uma montanha teriam os mesmos direitos. Pedro Neves Marques trabalha sob esta filosofia, muito próxima do pensamento ecológico.
YWY, a androide é acompanhado pelo vídeo Aprendendo a viver com o inimigo (2017), centrado no contexto geopolítico da história e no qual não aparece YWY. Trata-se de uma peça com características de documentário, em que se acompanha o processo de transformação da soja em biodiesel. O terceiro capítulo da trilogia é precisamente aquele que Pedro Neves Marques está agora a produzir e que finalizará em Portugal, devido às restrições e à paralisação causadas pela pandemia.
De qualquer modo, foi incluída na exposição uma obra que serve de epílogo do percurso e que o artista produziu em 2020, intitulada YWY, em busca de uma personagem entre Oriente e Ocidente. Impossibilitado de filmar em cenários naturais e com atores, Pedro Neves Marques optou por uma animação digital com origem num relato homónimo que escreveu para o Times Museum de Cantão. Enquanto viajava pela província de Cantão, o artista imaginou uma história transgeográfica entre Hong Kong e o Rio de Janeiro, uma vez que encontrou numerosas semelhanças nas paisagens de ambos os sítios. E não podemos esquecer que a China é o maior consumidor de soja transgénica do mundo. Com uma estética próxima do animé japonês, a artista e ilustradora Hetamoé desenhou e animou a peça, na qual aparecem juntas pela primeira vez as personagens de Zahy Guajajara e Pedro Neves Marques, como eles próprios e como seus homólogos na ficção.
As outras três obras presentes na exposição também fazem parte do universo de YWY. A peça que dá as boas-vindas aos espetadores na montagem de Barcelona é YWY, Visões – Hekepe, também muito recente, de 2020. Trata-se de uma instalação sonora em que se ouve a voz de Zahy Guajajara a explicar uma narrativa do ponto de vista das pessoas indígenas e baseada na experiência de uma mulher indígena sobre um ciclo de vida. Fala no dialeto ze'eng eté, próprio do povo tentehar-guajajara, que vive na região norte do estado brasileiro do Maranhão e ao qual a atriz pertence. De forma intencional, Zahy Guajajara decidiu não traduzir o dialeto original, porque, na sua opinião, é impossível transmitir exatamente a experiência de outra cultura. A atriz deseja que os espectadores sintam estranheza ao ouvirem sons, palavras e emoções que lhes são desconhecidos e que, a partir daí, criem a sua própria experiência.
 
A obra Círculo androide, por seu lado, consiste numa série de murais de texto que, como um círculo vicioso, cobrem as paredes dos espaços expositivos onde é exibida. Inclui frases em catalão, castelhano, português e tupi-guarani escritas pelo próprio Pedro Neves Marques, mas também citações literárias e cinematográficas que mostram que o nosso imaginário do androide não é neutro em termos de raça, género e classe. Com efeito, a primeira vez que apareceu a palavra robot — em checo, robota significa “trabalho” — foi na peça de teatro R.U.R. (Robots Universais Rossum), de 1920, de Karel Capek, referindo-se a uma máquina feminina associada ao conceito de servidão.
 
 
O ARTISTA
 
PEDRO NEVES MARQUES
 
Pedro Neves Marques (n. 1984, Lisboa) é artista visual, cineasta e escritor. Realizou exposições individuais no espaço 1646 (Haia), no Castelo de Rivoli (Turim), High Line e e-flux (Nova Iorque), Gasworks (Londres), no Pérez Art Museum Miami e no Museu Coleção Berardo (Lisboa), e expôs na Bienal de Liverpool, na Bienal de Gwangju, na Trienal da Imagem de Cantão, Tate Modern Film, Serpentine Cinema, Kunstverein Hamburg, Fundação Kadist, Fundação Botín, SculptureCenter, Matadero, Fundação VAC, Guangdong Times Museum, na Bienal de Yinchuan, New Museum Triennial e NTU CCA de Singapura, bem como em festivais de cinema, como o Festival Internacional de Cinema de Toronto e o Festival de Cinema de Nova Iorque, entre muitos outros. Publicou extensamente nos domínios da arte, da antropologia e da ecologia em revistas e publicações da MIT Press, Sternberg Press e Haus der Kulturen der Welt, além de ter editado a antologia The Forest and The School (Archive Books, 2015) e, como editor convidado, o número especial Supercommunity da revista e-flux Journal para a Bienal de Veneza (2015), disponível desde então com o selo da editora Verso. É autor de duas antologias de contos, sendo a mais recente Morrer na América (2017), e de uma antologia poética, Sex as Care and Other Viral Poems (2020), publicada pela sua editora de poesia Pântano Books. É também cofundador do Inhabitants-tv.org, um canal online especializado em reportagens experimentais. Recebeu o prémio de arte Present Future na Artissima 2018 e foi pré-selecionado para o prémio de arte Pinchuk Future Generation de 2021. As suas longas-metragens foram galardoadas no MixBrasil, no Festival de Cinema Queer da Sicília, no Short Wave, no Go Short e no Festival Internacional de Cinema Experimental de Moscovo. Nasceu em Lisboa e viveu em Londres, São Paulo e Nova Iorque. Para mais informações: http://pedronevesmarques.com/

 

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