Bairro Grito do Povo já tem primeira escritura
Setúbal, 19 de dezembro (DICI) – A Câmara Municipal de Setúbal iniciou hoje formalmente o procedimento de escritura pública dos primeiros 20 lotes do Bairro Grito do Povo, num processo que o presidente André Martins classificou como único no âmbito da intervenção municipal.
“Este processo singular e único no âmbito da intervenção municipal só é possível com estes contornos porque existe um trabalho de proximidade, dedicado e colaborativo contribuindo para o uso pleno do território. É um processo que já vai longo e ainda tem caminho pela frente”, disse o presidente da Câmara na cerimónia privada realizada no Salão Nobre dos Paços do Concelho.
Na cerimónia, em que também estiveram presentes os vereadores dos Direitos Sociais e do Urbanismo, Pedro Pina e Rita Carvalho, moradores de 20 lotes e elementos da Associação de Moradores do Grito do Povo – Bairro Popular, foi feita uma escritura por uma notária e entregues ofícios com as marcações das restantes 19, que terão lugar em janeiro.
“Estas são as primeiras 20 escrituras dos lotes de terreno cujos moradores reúnem as condições que tornam possível concretizar a venda por parte do município”, afirmou o autarca. “Hoje assinalamos uma nova fase na vida do Bairro Grito do Povo com este ato em que se atribui finalmente a propriedade a quem a construiu e nela vive diariamente.
Neste dia entregamos o chão em que estão as vossas casas”.
Após recordar que as escrituras se realizam quando se comemoram os 50 anos do 25 de Abril e pouco antes de a associação de moradores completar 50 anos e o bairro 40, André Martins adiantou que a Câmara Municipal vai continuar, no que lhe for possível, “a trabalhar com todos os outros para ultrapassar dificuldades”, de modo a que “as cinco dezenas de lotes que faltam” possam reunir as condições para serem alienados.
“A partir de fevereiro de 2025 poderão efetuar o pagamento a prestações os moradores que assim o solicitaram, de forma a concretizarmos mais escrituras em breve. Continuaremos a trabalhar em conjunto, os serviços da câmara, os moradores, a associação de moradores e as entidades públicas envolvidas, para concretizar o direito à habitação e um direito pleno e regularizado à propriedade”, referiu.
O presidente da Câmara recordou, depois, que “os bairros dos índios, como alguns eram conhecidos antes da Revolução dos Cravos, foram acabando naqueles anos de esperança do pós-25 de Abril, mas novos bairros degradados foram nascendo”, tendo passado “pouco mais de um ano” desde que foi erradicado o que acredita ser “o último bairro de barracas” de Setúbal, na Quinta da Parvoíce.
“Um bairro que nasceu já no século XXI, fruto de circunstâncias que em nada podem ser relacionadas com o tempo do fascismo. Mas um bairro que resulta, exatamente, da incapacidade que o Estado teve, nos últimos anos, de encontrar políticas de habitação que permitam encontrar casas a preços acessíveis e criar um mercado de arrendamento a que todos possam aceder”, salientou.
O presidente da Câmara recordou que a autarquia está “a dar um contributo para minorar” o “problema gravíssimo da falta de habitações”, através da edificação de “mais habitação nova” e da reabilitação das “casas municipais arrendadas e que há muito deviam ter sido beneficiadas”, procurando “construir um futuro melhor para quem quiser viver em Setúbal”.
“Porque é aqui, neste lugar, que continuamos a querer construir uma cidade com casas dignas para todos. Uma cidade distante dos tempos em que mais de 11 mil pessoas, estava-se então em 1970, viviam nos 22 bairros da lata, ou como por aqui se preferia dizer, nos bairros da folha de Setúbal”, disse.
André Martins lembrou que essas pessoas, que constituíam um quarto da população de Setúbal, viviam “em condições de salubridade absolutamente inaceitáveis”, afirmando que a cerimónia também celebrava o facto de os bairros da lata terem acabado “graças à notável ação do povo que, com as suas mãos e empurrado pela revolução de Abril, deitou mão à obra para acabar com a miséria que alguns queriam que fosse eterna”.
Casimiro Santos, que adquiriu o lote agora escriturado, disse que foi “com grande esforço” que conseguiu pagar a casa e afirmou esperar que os restantes moradores do Grito do Povo consigam atingir o mesmo objetivo. “Mesmo que seja a prestações, não desistam, porque a luta é para continuar”.
Ricardo Revez, representante da associação de moradores, agradeceu ao presidente da Câmara e aos vereadores que participaram nas reuniões para encontrar soluções para o bairro, frisando que, “depois da luta por uma habitação digna, agora a luta é pela aquisição da propriedade”, sendo a concretização deste “sonho” resultado do 25 de Abril.
Em 19 de julho, há precisamente cinco meses, numa reunião com cerca de sete dezenas de participantes, o presidente da Câmara informou os moradores no Bairro Grito do Povo de que em breve iam poder ser proprietários de pleno direito das casas em que habitam.
Na ocasião, André Martins revelou que essa possibilidade decorria do facto de, num processo iniciado em 2018, o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) ter aceitado que a autarquia assumisse a dívida, que ainda existe, da Associação de Moradores do Grito do Povo para com a Direção-Geral do Tesouro e Finanças.
O caso remonta aos anos 70 do século passado, quando o então Fundo de Fomento da Habitação fez um empréstimo à associação de moradores para a construção do Bairro Grito do Povo – como o loteamento era coletivo, o facto de ainda subsistir uma dívida, de menos de 25 mil euros, impedia a realização de escrituras individuais, mesmo por parte dos moradores que não eram devedores.
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