Congresso reflete sobre vida e obra de José Afonso
Setúbal, 26 de outubro (DICI) – O presidente da Câmara Municipal de Setúbal, André Martins, afirmou hoje que o Congresso Internacional José Afonso, a decorrer este fim de semana no Fórum Municipal Luísa Todi, é um importante contributo para a valorização do percurso do cantautor.
“Aqui e agora inicia-se uma importante jornada de homenagem, por via da valorização da vida e obra de José Afonso, a um dos artistas que mais marcou o século XX português e que tão sistematicamente é esquecido e até desprezado”, disse André Martins na sessão de abertura do encontro organizado numa parceria entre a Câmara Municipal, a Associação José Afonso, o Instituto de História Contemporânea e o Instituto de Etnomusicologia.
Durante dois dias, a vida e obra de José Afonso é evocada no congresso, do projeto municipal Venham Mais Vinte e Cincos, que celebra localmente os 50 anos do 25 de Abril.
O encontro, que reúne especialistas dedicados ao estudo das várias facetas da obra do cantautor, tem transmissão em direto no Youtube, no Facebook e no site da autarquia.
Participam ainda colaboradores e amigos, que partilham testemunhos sobre a atividade artística e a intervenção cívica de José Afonso antes, durante e depois do período revolucionário de 1974-75.
“Este encontro constitui uma oportunidade, até hoje inédita, de amplo cruzamento de vários saberes sobre o percurso de José Afonso, procurando relacionar a investigação académica com outros campos dedicados à preservação e divulgação da memória do Zeca”, declarou André Martins.
Para o autarca, este evento constitui, igualmente, “um forte estímulo para a localização e recolha de documentação e material fonográfico relacionado com o cantautor para posterior preservação”.
A iniciativa, de preservação e valorização da obra e da memória de José Afonso, nasce de uma proposta feita no seio da Comissão de Honra das Comemorações dos 50 Anos do 25 de Abril em Setúbal, da qual faz parte um conjunto de personalidades ligadas à Revolução dos Cravos na cidade.
Tendo em conta que José Afonso “é, sem dúvida, uma das maiores referências da nossa cultura contemporânea, cuja obra importa conhecer e divulgar” e que tinha uma “profunda ligação” à cidade de Setúbal, onde viveu e morreu, “impõe-se o destaque que lhe é dado nestas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril”.
André Martins recordou que no início de 2024 deu um “importante contributo para evocar e preservar a memória de José Afonso”, com a instalação de um memorial em sua honra na Praia da Saúde, numa “notável obra do escultor setubalense Ricardo Crista”.
A sessão de abertura da primeira edição do Congresso Internacional José Afonso contou, ainda, com a intervenção do presidente da AJA – Associação José Afonso, Francisco Fanhais, que enalteceu a importância do encontro para “aprofundar o conhecimento e reforçar a divulgação da vida e obra que José Afonso colocou ao serviço da cidadania”.
De entre as várias iniciativas agendadas para os dois dias do congresso, Francisco Fanhais destacou o lançamento do livro “Semeador de Palavras - Entrevistas a José Afonso”, com a participação de Luísa Tiago de Oliveira, José Rodrigues e Guadalupe Portelinha, amanhã, às 11h45.
“Esta é uma obra fundamental para se conhecer o pensamento do Zeca. Esperamos numa segunda edição poder colocar outras entrevistas e documentos que até agora desconhecemos, mas que possam, entretanto, surgir.”
Para o presidente da direção do Instituto de História Contemporânea, Luís Trindade, José Afonso “foi um acontecimento histórico”, pois “através dele conta-se uma certa história do Portugal Contemporâneo e da oposição ao fascismo”.
Luís Trindade destacou também que Zeca Afonso foi “uma figura fundamental para se perceber como foi o PREC” e considerou que os portugueses têm uma grande dívida para com o cantautor.
“Devemos-lhe exemplo cívico e formas de pensar e de sentir que fazem uma sociedade mais rica.”
Já a presidente emérita do Instituto de Etnomusicologia, Salwa Castelo-Branco, vincou que há muito que este organismo tem no centro do seu objeto de estudo a música popular e a figura de José Afonso sobre quem “há ainda muito para estudar, conhecer e divulgar”.
A especialista considera que “estudar Portugal no século XX é estudar a relação entre a música, a poesia e a voz de José Afonso” e a forma como o cantautor “sonorizou sentimentos, causas e ideias”.
Além da relação com Setúbal, José Afonso tinha uma ligação especial à Galiza que foi abordada pelo escritor galego Antòn Mascato, numa conferência moderada por Pedro Tadeu.
Antòn Mascato recordou que foi o próprio José Afonso quem disse que a Galiza era a sua “pátria espiritual”, além da frase “Talvez ninguém me entenda como na Galiza”, o que “diz tudo sobre esta relação especial”, que tem reciprocidade, pois “a Galiza gosta muito do Zeca”.
O escritor fez o enquadramento do contexto político e cultural durante o qual se iniciou a ligação com a Galiza, no final da década de 1960, quando a Espanha vivia sob o regime ditatorial de Franco e a resistência lutava para restaurar a democracia.
De acordo com Antòn Mascato, o cantautor português já tinha feito algumas incursões na cultura galega na década de 1960, mas foi em 1972 que a relação com aquela comunidade espanhola se aprofundou.
“O músico Benedicto Garcia Villar ouviu um disco de José Afonso em casa de amigos e deslocou-se de propósito a Setúbal para o conhecer e convidar a atuar num concerto em Santiago de Compostela.”
Foi neste concerto, em maio de 1972, que, segundo os especialistas, Zeca Afonso terá cantado pela primeira vez em público o tema “Grândola Vila Morena”, embora Mascato garanta que não é bem assim.
“Este congresso também deve servir para trazer luz às sombras. Não foi a primeira vez que ele cantou esta música em público. Foi antes a primeira vez que a cantou na capital da Galiza.”
José Afonso “ficou rendido ao povo galego”, voltando várias vezes à Galiza para atuar em concertos até à década de 1980.
Em 1985, quando o cantautor já se encontrava debilitado devido à doença, um conjunto de artistas galegos decidiu realizar um espetáculo de homenagem a Zeca Afonso e de angariação de fundos para ajudar nas despesas médicas.
“Mas não podíamos dizer ao Zeca que iriamos angariar dinheiro para ele. O José Mário Branco aconselhou-nos a dizer que o evento tinha um objetivo político. Lembro-me bem daquela manhã em que o fui visitar a Azeitão e lhe apresentei o projeto. Ele disse que se era político aceitava”, recordou Mascato.
O concerto, realizado em 31 de agosto de 1985, no Parque de Castrelos, em Vigo, durou 12 horas consecutivas e contou com mais de vinte mil pessoas no público que “doaram o que podiam”, o que resultou em “dois milhões e meio de escudos que foram entregues à família de Zeca”.
O programa da manhã de sábado contou, ainda, com um painel de comunicações da professora universitária Ana Francisca Silva, sobre “A continuação do legado de José Afonso nos grupos culturais da Universidade do Minho”, de João Freitas Mendes sobre “Amor e verdade – aprender e ensinar em José Afonso”, e de Maurício Salles Vasconcelos, sobre “Política do Ritmo/Poeticidade do Mundo”.
No período da tarde, às 15h00, há uma sessão testemunhal sobre a atividade musical, com Janita Salomé, Francisco Fanhais e Carlos Guerreiro, com moderação de Ricardo Andrade.
Segue-se um novo painel de comunicações, às 16h45, com Anália Gomes a abordar o tema “Da censura explícita a outras formas de silenciamento” e Catarina Costa a falar sobre “A música popular açoriana na obra de José Afonso”.
Este painel conta, igualmente, com intervenções de Jorge Martins, com o tema “Quando se canta a si, o que canta Zeca?”, e de Simão Mota, sobre “José Afonso de capa e batina”.
Para as 18h30 está agendada uma conversa com Octávio Fonseca e Viriato Teles com o tema “Novos conhecimentos sobre a obra de José Afonso”, moderada por Hugo Castro.
O programa de sábado termina às 21h30 com um concerto com Vozes da União, Noitibó, Francisco Fanhais, Manuel Freire e Rogério Cardoso Pires.
Para domingo, às 10h00, está reservado um novo painel de comunicações, com a participação de Albérico Afonso Costa, que aborda o tema “José Afonso em Setúbal – como se fora seu filho”, de Hugo Castro, que fala sobre “Cantar Poder Popular – Percursos de José Afonso na Revolução”, de João Madeira, que aborda o tema “Não faltes ao encontro sê constante – José Afonso e a unidade popular, e de Ricardo Andrade que fala sobre José Afonso, José Mário Branco e a gravação de “Cantigas do Maio”.
O programa prossegue à tarde com uma conferência por Rui Vieira Nery, às 15h15, e um painel com comunicações de Agnès Pellerim, sobre os “Ecos de Grândola Vila Morena no cinema”, e de Matilde Dias, que aborda o tema “Pensar a Tradição: Paralelismos entre O Pão, de Manoel de Oliveira, e Cantares do Andarilho, de José Afonso”.
Este painel conta ainda com intervenções de Sara Maia, com o tema “Traz um amigo também – José Afonso entre Paris e Galiza”, e de Arturo Reguera, que aborda o tema “Santiago de Compostela, 12 de maio de 1972: a experiência mais maravilhosa”.
Para as 18h00, está agendada uma sessão testemunhal dedicada à ligação de José Afonso a Setúbal, com Henrique Guerreiro, Luísa Ramos e Manuela Palma.
O programa completo pode ser consultado no site do município de Setúbal, na ligação https://encr.pw/fYYWk.
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