MULTIPLEX a necessidade de se estar onde se está
Multiplex é uma reflexão sobre a complexidade. É sobre construções, vitórias, derrotas, pertença, e tudo aquilo que nos faz ser o que somos: a necessidade de estarmos onde estamos. É também sobre a perda de tudo isso.
Que palavras melhores do que as de Yourcenar, nas suas Memórias de Adriano, para nos falar desta mesma complexidade e da qual apenas ficam os fragmentos; da obsessão pela perfeição mas também do peso da obra por construir e da responsabilidade do legado. Adriano confronta-nos a cada instante com esta dualidade: mesmo se o homem é livre, já a obra construída está para além desta liberdade. A perda coabita com a construção, o ajuste de contas final é implacável.
É a complexidade do mundo interior de Adriano que me interessa. O mesmo mundo que fascinou Yourcenar, ela que nos lembrava que refazia por dentro o que os arqueólogos do séc. XIX haviam feito de fora, ou ainda, que a melhor maneira de recriar o pensamento de um homem era reconstituir a sua biblioteca. Trabalhar sobre o tempo, sobre a memória... Como se os odores de Ítaca, das amendoeiras e das figueiras, estivessem sempre presentes. Como se todo um Sul permanentemente adiado, iluminasse uma vida de combates e negociações, longos invernos na lama fria do Norte ou intermináveis campanhas nos desertos da Ásia Menor. Mas sempre como pano de fundo as colinas de Atenas.
Multiplex desenrola-se nesta complexa teia entre o preto e o branco, nesta inevitabilidade do negativo que espreita os momentos mais brilhantes das nossas existências: a necessidade de estarmos onde estamos.
Os intérpretes são o actor Pedro Gil e a bailarina italiana Silvia Bertoncelli, que nos últimos anos têm colaborado comigo (Estado de Excepção, Danza Preparata). Intérpretes de uma enorme qualidade e cuja maturidade é essencial para esta obra. A banda sonora / criação musical será da autoria de Tiago Cerqueira. Os figurinos de Aleksandar Protic. A robótica e a realização vídeo de Guilherme Martins e André Almeida (Ártica). A encenação, coreografia, luzes, espaço cénico e o texto adicional serão da minha responsabilidade.
Adriano, homem cultíssimo e complexo, foi, provavelmente, o mais genial dos imperadores que Roma gerou, não um conquistador, mas um pacificador e administrador sábio, determinado a legar um império forte e organizado. O magnífico texto de Marguerite Yourcenar, livremente por mim adaptado, conduzirá a obra, não como relato cronológico mas como experiência imersiva e sensorial.
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