Viagem de Inverno de Schubert Recital de canto e piano
Barítono André Henriques
Piano Nuno Vieira de Almeida
CCB . 10 fevereiro . sexta-feira . 19h00 . Sala Luís de Freitas Branco
O ciclo Viagem de Inverno [Winterreise no título original] de Schubert foi composto em duas etapas em 1827, exactamente um ano antes da morte do compositor aos 31 anos. É o segundo e último ciclo de canções de Schubert, tendo o primeiro sido A Bela Moleira; as canções póstumas reunidas sob o título Canto do Cisne são uma colectânea e não um ciclo, como erradamente muitas vezes se lê.
Neste ciclo de vinte e quatro canções não existe um enredo que possa ser contado, podemos apenas intuir que o narrador deixa a cidade onde vive a amada e, desesperado por uma possível rejeição, procura o aniquilamento e a morte ao longo de 70 minutos. Basicamente, a Viagem de Inverno é um monodrama no qual o único personagem percorre solitário diversos locais, o rio gelado, o local onde está a tília, o cemitério, a aldeia adormecida, a casa deserta do carvoeiro, e sente nessa viagem desértica as acometidas do desespero sob a forma de lágrimas geladas, recordações, ilusões, tudo o que a solidão pode transformar em mágoa e tudo isto intensificado por uma música que clarifica estas intenções sob a forma de uma estonteante beleza musical. Dificilmente encontraremos aqui a Natureza benevolente tão cara aos românticos. Tudo é duro, anguloso e hostil.
É absolutamente indiferente que quem canta a Winterreise seja um homem ou uma mulher. A pulsão que o/a move é sempre a mesma e Schubert mostra-nos, como em pintura Pierre Soulages o fez, a infindável riqueza do negro em música.
Sabemos que esta obra é um dos picos da literatura musical, a sua infinita mudança de cambiantes, a prodigiosa imaginação musical e, acima de tudo, a forma que Schubert tem de dilatar o poema (que só se torna maior devido à música) transformando-o numa prolongada e dilacerante declaração não só de tristeza, mas talvez ainda mais de melancolia. A sombra de Schubert pairará no futuro próximo, Wagner, Mahler e até Schönberg, e chega-nos hoje exactamente com a mesma acutilância.
Uma complexidade destas pede aos músicos anos de maturação, e é um grande prazer ser o companheiro de André Henriques nesta viagem que ele agora inicia, com coragem, inteligência e talento.
Nuno Vieira de Almeida
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