Calor marcou viagem até ao covil dos Lobos
Portugal de Lés-a-Lés continua a bater recordes… de temperatura
A caravana estava avisada. Depois das temperaturas elevadas no primeiro dia, o calor voltou em força na segunda etapa do Portugal de Lés-a-Lés. Entre Castelo de Vide e a Covilhã, 360 quilómetros de estradas fabulosas, paisagens imponentes, e descobertas de cortar o fôlego. Ou a falta de ar seria do calor?... Afinal ainda não eram 10 horas e já os termómetros marcavam mais de 40º centígrados. E haveriam de chegar perto dos 45º em alguns locasi, obrigando os participantes a beber muitos milhares de litros de água e procurar umas sombras ou praias fluviais para evitar o sobreaquecimento das máquinas… humanas. Porque as outras, as mecânicas, parecem bem mais habituadas às extremas exigências térmicas.
As estratégias para evitar o calor foram muitas, mas uma das mais utilizadas foi mesmo a partida madrugadora desde Castelo de Vide, aproveitando as temperaturas mais amenas para descobrir as pitorescas estradas desertas até ao mais antigo menir do Mundo. A datação do menir da Meada aponta para um trabalho humano com mais de 7000 anos ao criar aquele que é o monólito pré-histórico mais alto da Península Ibérica. Afinal este monumento megalítico soma os 4 metros que revela acima do solo aos mais de 3,5 metros que esconde debaixo da terra. Números imponentes, é certo, mas que não travaram a caravana por mais tempo do que o necessário para uma foto e a picadela na tarjeta que assegura o cumprimento de todo o percurso elaborado pela Comissão de Mototurismo da Federação de Motociclismo de Portugal.
Espanha foi o destino seguinte, com entrada pela curiosa barragem de Cedillo que tem a particularidade de represar dois rios fazendo aproveitamento hidroelétrico de forma separada. Estradas de excelente piso e curvas largas, bem desenhadas, ‘devolveram’ a heterogénea caravana a Portugal, não sem antes ter direito a um ‘cheirinho’ da histórica cidade de Alcântara e da não menos monumental ponte que, há cerca de 2000 anos, garante o trânsito fronteiriço. Com o calor a intensificar-se, passando muito cedo dos 40º centígrados, nada como atentar nos mais experientes motociclistas.
Luís Simão é um dos quatro participantes totalistas e tem a curiosidade de ter cumprido as 24 edições com a mesma Yamaha Virago 535 e, imagine-se, com o mesmo blusão, bem grosso, de couro. “É a melhor arma contra o calor, evitando a desidratação e as queimaduras da pele além de garantir a segurança em todas as situações”. Ainda assim o experiente motociclista garante que “mesmo tendo sido um dia muito quente, já houve outras edições com temperaturas mais elevadas e um grau de exigência física bem superior”.
Da fria Suíça ao escaldante Portugal
Calor que não impediu a diversão e prazer de condução de dois Carlos Manuel, o Carvalho e o Ferreira, emigrados há décadas na Suíça e que, nos últimos cinco anos, marcam uns dias de férias para rumar ao ‘seu’ Portugal… de Lés-a-Lés. Bom, na verdade, o de apelido Carvalho esteve ausente em 2021, porque “a data coincidiu com a festa de 25 anos de casamento e não era boa ideia sair de casa nesse dia. Não fosse ter que juntar a festa do divórcio!”. Muito divertidos, agradados com as estradas e a animação que os surpreende a cada ano, ficaram espantados com a produção ‘hollywodesca’ preparada pelos Conquistadores de Guimarães em Penha Garcia. Aumento exponencial da população da aldeia famosa pelos vestígios de ocupação milenar e pela imponente posição estratégica, garantido pelos 28 ‘romanos’ que os elementos do moto clube vimaranense interpretaram na perfeição. E onde não faltaram legionários, centuriões, legados, senadores e até mesmo dois… crucificados, que iam picando as tarjetas frente a um cenário geológico criado desde há mais de 4 milhões de anos.
Imagem apaixonante para qualquer geólogo capaz de catalogar as paredes de xisto, como deliciosa, para toda a caravana, foi a sensação aromática das searas recentemente ceifadas, de avaliação bem menos erudita. Como entusiasmante também foi a passagem por Idanha-a-Velha onde a Honda tratou de matar a sede à caravana, antes mesmo de passagem pela pitoresca aldeia de João Pires. Emoções de descoberta ‘amadurecidas’ no aprazível parque de campismo do Freixial, nas margens do rio Bazágueda, com descanso nas tão desejadas sombras no relvado.
A história da rainha, do bobo e da cozinheira premiada
Mas haveria muito mais antes da chegada à Covilhã onde o dinâmico Moto Clube Lobos da Neve preparou uma receção digna de reis. Do chuveiro que ia refrescando a caravana antes de subir ao palanque de chegada ao saboroso Bacalhau à Assis servido ao jantar. Um prato com história única na cidade serrana, que mete um cozinheiro chinês no meio de um grande nevão, e que foi preparado por Patrícia Santos, ‘chef’ ganhador do master Chef em 2010. Comida deliciosa acompanhada por um concerto ao vivo, animando o amplo espaço onde ficou instalado o serviço de assistência mecânica e de recuperação física. A cargo de jovens, mas bem experientes, osteopatas, naturopatas e massoterapeutas que iam minimizando os efeitos de maleitas acabadinhas de arranjar ou algumas mais antigas, carinhosamente ‘trazidas de casa’.
Antes, porém, tempo para uma visita ao mais importante apoio estrangeiro do Lés-a-Lés, com ida às instalações da Motoval em Vilaverde del Fresno. Mas também para incursões mais radicais em caminhos de terra, para a descoberta do célebre forcão das capeias arraianas e até a possibilidade de conhecer a nascente do Rio Côa. Sem esquecer, claro, novo momento histórico protagonizado junto ao castelo de Sabugal, por uma elegante e poderosa rainha e o seu bobo da corte. Dos verdadeiros.
Momentos de diversão que ajudaram a descontrair num dia escaldante, em jeito de preparação para a ‘etapa-rainha’ do 24.º Portugal de Lés-a-Lés, da Covilhã até Bragança. E que, apesar de uma quilometragem semelhante, terá muitos mais horas de condução, com um entusiasmante, mas muito exigente, rendilhado de estradas e estradinhas.
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