Minerar debaixo de água já é possível com engenharia portuguesa
O sistema robótico foi testado com sucesso na Irlanda, em Silvermines, e um dos robôs está em Portugal
Minerar debaixo de água já é possível, provou-se rentável economicamente e vantajoso para o meio ambiente. A exploração de minério em minas abandonadas e inundadas é possível graças ao desenvolvimento de um sistema robótico, que é composto fundamentalmente por um veículo de mineração subaquático de 25 toneladas, um submarino de inspeção autónomo para apoio à operação e uma barcaça de suporte à operação.
O veículo maior trata-se de um robô de 25 toneladas com capacidade de partir rocha e bombear o material extraído para a superfície de um lado e com um braço hidráulico com ferramentas intermutáveis do outro. O mais pequeno, chamado EVA, movimenta-se em torno do local de mineração, atualizando de forma constante um mapa 3D da área e transmitindo esta cartografia ao veículo maior, de modo a auxiliar na navegação. O robô EVA foi criado por investigadores portugueses do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), assim como todo os sistemas sensoriais que permitem a navegação e a operação do robô de 25 toneladas.
Estes robôs foram desenvolvidos no âmbito do projeto europeu VAMOS (Viable Alternative Mine Operating System), com um orçamento superior a 12M€ e financiado em 9,2M€ pelo programa da Comissão Europeia Horizon 2020, cujo objetivo passa pela exploração subaquática de minas terrestres.
“O EVA consegue operar debaixo de água durante cerca de 7 horas, só ao fim desse período é que é necessário trocar as 3 baterias de 1 quilowatt, um processo que é feito em cinco minutos. O robô tem capacidade para descer a cerca de 500 metros de profundidade, mas alguns dos sensores que integram o EVA já têm capacidade para descer a 3 mil metros, podendo ser facilmente adaptado de modo a ser capaz de descer, no curto prazo, até 1000 metros de profundidade”, explica José Miguel Almeida, investigador coordenador no Centro de Robótica e Sistemas Autónomos do INESC TEC e docente do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP).
Os dois robôs usam múltiplos sensores para a navegação e posicionamento de elevada exatidão, e para observação do meio que os rodeia. Combinam assim a informação proveniente de sonares, câmaras e um medidor de distâncias a laser que permite a operação do sistema, onde quer que estejam e sob quaisquer condições de visibilidade. Os dados recolhidos, depois de processados e combinados, são enviados para um piloto no centro de controlo, que os consegue ver exibidos numa consola multi tela, num ambiente de realidade virtual. Uma versão futura pode também ser capaz de visualizar o tipo e concentrações de minério à medida que é extraído, permitindo assim continuar a explorar aquele que é mais rico e não continuar a investir no mais pobre. Esta informação é fornecida pelo sistema de classificação e avaliação de minério, feito através de espectroscopia de plasma induzido por laser, que foi também desenvolvido por investigadores do INESC TEC, mais precisamente do Centro de Fotónica Aplicada deste instituto.
Apesar de este consórcio ser composto por 17 parceiros, pertencentes a nove países europeus, as principais instituições responsáveis pelo desenvolvimento destes robôs foram essencialmente cinco: SMD (Reino Unido), BMT (Reino Unido), DAMEN (Holanda), INESC TEC (Portugal) e SANDVIK (Alemanha).
O robô EVA está agora no Laboratório de Robótica e Sistemas Autónomos do INESC TEC, localizado nas instalações do ISEP, depois de ter sido testado com sucesso durante quase dois meses na Irlanda.
“O robô que desenvolvemos representa os olhos deste sistema. Num lago, quando se começa a minerar no fundo, a quantidade de detritos em suspensão e a turbidez da água aumentam significativamente. Nesse sentido, só com sistema como o EVA é que se torna possível manter as operações contínuas e um mapa atualizado do estado do fundo, até por questões de segurança da máquina maior”, explica o investigador.
Foi durante dois meses que decorreram os testes deste sistema robótico na mina inundada de Magcobar, em Silvermines. De acordo com José Miguel Almeida, “o VAMOS foi dos projetos mais exigentes em que participámos. Durante dois meses mobilizámos equipas de investigação para estarem em ambiente de mineração dia após dia. Os briefings começavam às sete da manhã e até ao final do dia o sistema robótico não podia parar, pelo que o nosso nível de prontidão tinha que ser elevado, algo que é completamente contrário ao normal funcionamento de um processo de investigação. Conseguir que equipas multidisciplinares compostas por elementos de vários parceiros industriais com diferentes metodologias, assim como de institutos de investigação e outros universitários mais académicos, com diferentes formações e interesses, colaborassem efetivamente foi um processo de aprendizagem. O que aconteceu na Irlanda foi único nesta área”.
Para transportar todo o sistema do VAMOS, incluindo o robô de 25 toneladas, a barcaça e a estação de controlo foram necessários mais de 17 camiões TIR e a operação obrigou a vários meses de preparação de toda a logística. Passados os quase dois meses de teste, houve espaço para duas demonstrações públicas. Participaram nestas demonstrações 85 pessoas, desde membros dos 17 parceiros que integram o projeto, a geólogos e investigadores de empresas e instituições externas ao consórcio e, até mesmo, a populações locais.
As operações consistiram no corte e operação do material em diversos cenários, bombeando posteriormente o material cortado para um depósito em terra, para posterior avaliação e caracterização da eficiência do processo.
O investigador do INESC TEC explica a importância que este tipo de projetos tem para a Comissão Europeia: “a preocupação da CE ao apostar neste tipo de projetos prende-se, sobretudo, com a dependência do exterior para obter matérias-primas fundamentais para a indústrias e em como explorar recursos que detém. Apesar de a maioria das minas, quando foram fechadas, não serem economicamente viáveis, a verdade é que grande parte delas contém quantidades substanciais de matéria-prima e que, com os resultados deste projeto, podem voltar a ser rentáveis”. Atualmente a UE consome 25 a 35% do metal produzido a nível mundial, enquanto que a extração mineral na Europa ascende apenas a 3% da produção global de minério, o que significa que a UE importa cerca de 200 milhões de toneladas de minerais por ano.
O VAMOS, que teve uma duração de quatro anos, está quase a terminar e já há manifestações de interesse para transferir tecnologias como EVA e os sistemas de navegação e mapeamento para o mercado.
“Se houver, de facto, vontade de transferir o EVA para o mercado vai ser necessário adaptar o protótipo para um produto, o que vai logo tornar necessário padronizar as operações, de modo a que qualquer pessoa, independentemente de ser especialista ou não, consiga operar o robô”, conclui José Miguel Almeida.
Para mais informações: http://vamos-project.eu/
Tags: