A quem pertence a arte? Obras roubadas que voltaram para casa em 2022

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  • Em Itália foi criado o Museu de Arte Salva para exposições temporárias de obras de arte recuperadas
  • A Itália, o Egito e a Polónia são alguns dos países que recuperaram uma parte do seu património artístico

Dizem que a história é sempre escrita pelos vencedores e não pelos vencidos e que, por isso, chegam aos nossos ouvidos versões distorcidas da realidade que foi, e nunca mais poderá ser vivida. No entanto, o que acontece quando os derrotados reclamam ser donos da sua própria história? Como temos visto ultimamente, há lugar a uma revisão dos acontecimentos e, com eles, a propriedade da arte que os acompanha. Tendo isto em mente, a Hiscox recorda algumas obras roubadas, ou adquiridas em escavações arqueológicas ilegais, que regressaram aos seus locais de origem em 2022.

 

Tal foi o movimento que vivemos o ano passado que, em Itália, país particularmente afetado pela pilhagem do seu património cultural, foi criado o Museu de Arte Salva, um lugar de passagem único onde as obras de arte recuperadas procedentes de escavações ilícitas, ou do tráfico ilegal, podem ser guardadas e exibidas ao público por alguns meses, antes de regressar aos seus locais de origem. Por sua vez, os países que possuem coleções saqueadas começam a consciencializarem-se sobre este tema. A título de exemplo, o museu da cidade alemã da Baviera, assim como os de Nova York, decidiram investigar a proveniência das obras apreendidas durante o período da 2ª Guerra Mundial, e procurar os herdeiros dos proprietários originais dessas obras.

 

Neste contexto, foram muitas as obras que regressaram aos seus locais de origem, recordando a Hiscox os seis casos mais representativos:

 

Dois livros do século XVII regressam de Nova York para um convento em Sevilha

Tradicionalmente, os espaços religiosos, e os conventos em particular, eram o principal refúgio para os livros. Em especial, o convento das Carmelitas Descalças de Santa Ana (Sevilha), onde eram guardados cinco volumes do século XVII, atribuídos à Irmã Juana Inés de la Cruz.

 

Não se sabe exatamente como, mas os livros foram parar às mãos de um residente da Catalunha, falecido há cerca de uma década, cujo acervo bibliográfico foi adquirido por uma livraria de Madrid. Esta, por sua vez, vendeu-as a um empresário mexicano Após a sua morte, as obras foram adquiridas por um colecionador americano que as colocou a leilão em Nova York. No entanto, dois dos livros tinham um selo de propriedade colocado pelas próprias freiras (ex libris), o que levantou suspeitas. O leilão foi interrompido (com preços esperados entre os 80.000 e os 100.000 euros), tendo finalmente as obras regressado a Espanha.

 

O díptico Mater Dolorosa e Ecce Homo faz o caminho de regresso de Pontevedra até à Polónia

Se a Espanha foi protagonista de uma história como país saqueado, também esteve do outro lado da moeda como lugar de exibição de obras saqueadas. No Museu de Pontevedra esteve em exposição durante 28 anos o díptico Mater Dolorosa e Ecce Homo, atribuído ao pintor holandês Dieric Bouts e principal representante da Escola de Leuven, após ter sido roubado numa pilhagem nazi. No entanto, em 2022 foi demonstrada a sua origem irregular e foi acordada a sua devolução ao Governo polaco, que por sua vez irá encarregar-se de o devolver aos herdeiros legítimos.

 

Herdeiros de casal judaico recuperam arte roubada aos pais

A Segunda Guerra Mundial foi um período particularmente turbulento em termos de pilhagem de arte, e o exemplo anterior não foi um caso isolado. Este tipo de furto tornou-se comum e muitas dessas obras encontram-se hoje em dia espalhadas um pouco por todo o mundo. No caso dos Países Baixos, o Museu Boijmans van Beuningen, na cidade de Roterdão, devolveu diversas obras de arte aos descendentes de uma família judaica assassinada pelos nazis. São seis peças de louça de majólica do século XVI, que até agora faziam parte do acervo do museu, e que foram entregues aos herdeiros do casal Fritz e Louise Gutmann, falecidos num campo de concentração.

 

Grécia vai recuperar mais de quarenta peças arqueológicas do seu património

Se uma civilização foi rica em património artístico, essa foi sem dúvida a grega. É por isso que não será de estranhar que algumas das devoluções de obras tenham tido como destino este país em 2022. O país helénico recuperou 47 valiosos objetos arqueológicos que faziam parte do acervo de arte de Michael Steinhardt, empresário bilionário e filantropo de 81 anos radicado em Nova York, e que já em 2023 foi condenado a devolver 180 obras de arte e antiguidades avaliadas em 62 mil milhões de euros e roubadas em todo o mundo nas últimas décadas.

 

A parte do saque pertencente à Grécia voltou ao seu país ainda em 2022. entre as peças constam um larnax minóico (pequeno sarcófago de cerâmica para guardar ossos), um torso de kouros (figura de atleta), um busto de bronze de um grifo, pratos das Cíclades, estatuetas e espadas de bronze. E, se estamos a falar de grandes obras de arte gregas que estão fora de seu país, o Pártenon é sem dúvida a mais destacada. Estas peças estão guardadas no Museu Britânico desde 1805, e no futuro também poderão retornar ao seu país de origem, devido às negociações que começaram este ano entre os dois estados. Aqui deve-se notar que os fragmentos do Pártenon retornarão em breve ao seu lugar de origem e que o Papa Francisco decidiu devolver à Grécia outros três fragmentos do Pártenon, que estavam nas Coleções Pontifícias e nos Museus do Vaticano.

 

O retrato egípcio “Senhora com manto azul” volta ao seu país natal

Os traficantes de arte são habitualmente um grande problema para o mercado de arte. Isso mesmo foi confirmado este ano pelo Metropolitan Museum of Art (MET) de Nova York, que tinha no seu acervo 27 antiguidades, no valor de 13 milhões de euros, da Roma antiga e do Egito, e que haviam sido saqueadas por aqueles. Após serem apreendidas pela Procuradoria de Manhattan, 21 obras retornarão à Itália e as outras 6 ao Egito. Entre elas estão peças tais como o retrato egípcio Senhora com manto azul, avaliado em 1,2 milhões de euros; e um cálice romano em terracota, de 470 AC, avaliado em 1,2 milhões de dólares.

 

Grupo de esculturas de Orfeu e as sereias regressa a Itália

Em 1976, J. Paul Getty, fundador do atual Getty Museum em Los Angeles, adquiriu um conjunto de antigas esculturas em terracota representando Orfeu e as Sereias, datadas entre 350 e 300 AC, por 540.000 euros. No entanto, em 2022 descobriu-se que as obras provinham de uma escavação arqueológica ilegal realizada em Itália, e o museu americano procedeu à devolução das obras.

 

Enquanto cuidadores de obras que representam o legado dos nossos antepassados devemos estar felizes pela devolução destas peças, que representam muito mais para os seus proprietários originais que apenas uma obra num museu. É a cultura de muitos destes povos que lhes é devolvida, assim como uma ligação direta aos seus princípios e valores. Esta expolição é algo que ainda hoje em dia assistimos, quer em cenários de guerra ou de ocupação, ou de tentativas de extermínio de povos e culturas. São bandeiras que os tornam mais fortes e lhes transmitem um propósito”, explica Rui Ferraz, Diretor Comercial da Innovarisk.

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