Portugal lidera lista de países europeus com menor utilização de aplicações de rastreamento de contactos durante a pandemia COVID-19
Mais de 50% dos portugueses nunca instalou a app StayawayCOVID e em janeiro de 2021 60% dos utilizadores já tinham desinstalado a aplicação dos seus telemóveis
O lançamento de aplicações para telemóvel (Apps) que permitiam o rastreamento de contactos e sinalização de situações de risco, tendo em conta a proximidade de pessoas, revelou-se uma das medidas menos bem-sucedidas implementadas durante a pandemia COVID-19 na União Europeia. Portugal lidera a lista de países com menor utilização, nunca tendo ultrapassado os três milhões de downloads. Mais de 50% dos portugueses nunca instalou a App StayawayCOVID e apenas seis meses depois do seu lançamento, cerca de 60% dos utilizadores portugueses já tinham desinstalado a aplicação dos seus telemóveis.
Os resultados agora divulgados na Nota Informativa #4 Análises do Setor da Saúde: A utilização de Contact Tracing Apps durante a pandemia elaborada pelos investigadores Eduardo Costa e Pedro Pita Barros, detentor da Cátedra BPI | Fundação “la Caixa” em Economia da Saúde, no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social, uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI e a Nova SBE revelam ainda que a fraca relevância e utilidade destas aplicações esteve diretamente relacionada com 3 fatores:
- a capacidade tecnológica da própria aplicação (requisitos técnicos elevados e necessidade de intervenção ativa dos doentes na introdução de códigos fornecidos pelo SNS);
- a adesão individual de cada cidadão (diretamente relacionada com preocupações de partilha de dados pessoais, literacia digital e perceção da utilidade da aplicação);
- a capacidade de se atingir uma escala mínima para gerar um efeito rede (dependente de uma externalidade associada à utilização generalizada pela população). Em Portugal, a baixa adesão individual traduziu-se na incapacidade de atingir a escala mínima para o eficaz funcionamento da aplicação: o número de instalações (3 milhões) e o número de códigos facultados pelo SNS (apenas 2.708) parece ter sido um fator determinante para a pouca utilidade da aplicação.
Analisando a utilização da aplicação de rastreamento de contactos nos oito países nos quais o inquérito foi realizado constata-se que a maioria da população optou por não instalar, ou desconhecia a existência da aplicação verificando-se a utilização frequente mais baixa em Portugal (8%) e a mais elevada na Alemanha (32%). Para além dos fatores culturais de cada país, as variações nas funcionalidades das aplicações parecem também ter motivado diferentes níveis de adesão nos vários países: os que optaram por implementar aplicações mais avançadas (que permitiam não só o rastreamento de contactos mas também um conjunto de outras funcionalidades como, por exemplo, a evolução e monitorização de sintomas, informação epidemiológica regional relativa à evolução da pandemia, encomenda de testes COVID-19, receção de resultados de análises e acompanhamento dos dias em falta para o final do período de quarentena) revelaram vantagens e aumentaram a utilidade das aplicações do ponto de vista do cidadão. No entanto, e uma vez que os produtos mais avançados e funcionais correspondiam a aplicações desenvolvidas pela Apple e pela Google, as preocupações com os riscos associados à privacidade aumentaram e parecem ter contribuído para atenuar o efeito de uma maior adesão em países com aplicações mais sofisticadas e funcionais.
As caraterísticas pessoais dos inquiridos revelaram-se também fortes condicionantes à adesão. A idade é apontada como um fator determinante, verificando-se que a instalação da aplicação foi mais comum entre as faixas etárias mais jovens (entre os 18 e os 24 anos, 56% dos inquiridos reportaram ter a aplicação instalada em janeiro de 2022 enquanto na faixa etária acima dos 65, apenas 45% tinham a aplicação instalada). No entanto, e apesar do menor volume de instalações, as faixas etárias mais velhas reportaram níveis de utilização frequente da aplicação mais elevados: na faixa etária acima dos 65 anos, 19% dos inquiridos reportaram utilizar a aplicação frequentemente, o que corresponde a cerca de 42% daqueles que tinham a aplicação instalada. Entre os mais jovens (dos 18 aos 24 anos), apenas 12% reportaram utilizar a aplicação frequentemente, o que corresponde apenas a 22% daqueles que tinham a aplicação instalada. ‘A dualidade verificada entre “ter a aplicação instalada” e “usar a aplicação frequentemente” reflete, provavelmente, os trade-offs que as diferentes gerações enfrentam. Por um lado, o custo associado à instalação da aplicação tende a ser inferior nas faixas etárias mais novas, dada uma maior facilidade e utilização de smartphones. Por outro lado, os níveis de receio com a pandemia tendem a ser mais elevados entre os mais velhos, mais em risco de doença grave e com maior risco de mortalidade. A combinação destes fatores pode explicar a dualidade observada: após o esforço necessário para instalar a aplicação entre os mais velhos, é expectável que os mesmos façam uma maior utilização das mesmas. Um custo muito reduzido na instalação da aplicação entre os mais novos pode levar a que muitos instalem a aplicação, sem que a utilizem frequentemente’.
A escolaridade e nível de rendimento foram ainda identificadas como condicionantes na adoção das aplicações revelando uma utilização superior junto das classes socioeconómicas mais favorecidas, tipicamente com níveis de escolaridade e de rendimento superiores. Sendo a carga de doença tipicamente superior junto das classes socioeconómicas mais desfavorecidas (mais potencialmente sujeitas a riscos elevados fruto de um maior volume de contactos sociais, resultantes de menos trabalho remoto e maior exposição, por exemplo, em transportes públicos) os dados recolhidos permitem, também aqui, identificar um trade-off entre os custos e o benefício da utilização da aplicação uma vez que nas classes económicas mais favorecidas, os benefícios da utilização da aplicação são potencialmente inferiores aos benefícios de classes económicas menos favorecidas. No entanto, e apesar do benefício ser superior para os grupos mais desfavorecidos, o custo da sua utilização também tende a ser superior, uma vez que requer níveis de literacia digital elevados e equipamentos compatíveis.
Os dados recolhidos permitem ainda aferir diferenças significativas nos níveis de utilização da aplicação entre os cidadãos vacinados e não vacinados: menos de metade da população vacinada reportou não ter a aplicação instalada enquanto no grupo da população não vacinada este indicador atinge os 80%. Mais uma vez, é revelado um trade-off de custo-benefício na utilização da aplicação que sinaliza, no grupo dos não vacinados, preocupações com intrusão, falta de segurança de dados pessoais e ainda uma baixa perceção de risco de contágio.
A concordância dos cidadãos com a utilização deste tipo de mecanismos de controlo dita ainda o nível de instalação e utilização da aplicação que cresce substancialmente com o apoio dos cidadãos à utilização das mesmas, revelando a extrema importância do apoio da população a este tipo de medidas.
Por último, as dinâmicas familiares condicionam também os níveis de utilização da aplicação revelando, embora de forma pouco significativa, que os níveis de instalação e utilização da aplicação são maiores entre agregados familiares com membros de risco elevado.
A identificação dos principais fatores que contribuíram para a baixa adesão nos diversos países sugere um conjunto de intervenções que poderiam ter contribuído para uma maior adoção. Segundo os investigadores ‘a eventual necessidade de utilização deste tipo de mecanismos no futuro terá de ser acompanhada de intervenções específicas junto dos grupos da população com maior resistência. O equilíbrio entre os custos e os benefícios é determinante para induzir a adoção individual que, por sua vez, é condição necessária para que se atinja um efeito rede, obtido através de uma escala mínima – sem a qual a aplicação não tem utilidade relevante’.
Sobre o European COVID-19 Survey (ECOS)
O ECOS resulta de uma parceria entre várias instituições universitárias europeias e tem por objetivo monitorizar as perceções e comportamentos da população ao longo do tempo relativamente à pandemia de COVID-19. O inquérito realiza-se com uma periodicidade de dois / três meses, em Portugal, Alemanha, Dinamarca, Reino Unido, Itália, França, Países Baixos e, mais recentemente, Espanha, abrangendo uma amostra representativa de cerca de 1000 pessoas da população adulta em cada país.
Notas Informativas: Análises do Setor da Saúde
A utilização de Contact Tracing Apps durante a pandemia é a quarta da série Notas Informativas: Análises do Setor da Saúde (elaboradas no âmbito da Cátedra BPI | Fundação “la Caixa” em Economia da Saúde, atribuída a Pedro Pita Barros, no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social, uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI e a Nova SBE) que pretende divulgar análises sintéticas relativamente a temáticas atuais sobre o setor da saúde.
Sobre a Social Equity Initiative
A Iniciativa para a Equidade Social é uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI, e a Nova SBE, que visa impulsionar o setor social em Portugal com uma visão de longo prazo. Traçando um retrato do setor social em Portugal e desenvolvendo programas de investigação e capacitação para apoiar organizações sociais, a iniciativa envolve oito projetos e duas cátedras.
Sobre a Cátedra Fundação “la Caixa” em Economia da Saúde
Parte da Iniciativa para a Equidade Social BPI | Fundação “la Caixa” a cátedra em Economia da Saúde foi atribuída ao Professor Pedro Pita Barros e tem como objetivo promover a investigação sobre o sector da saúde, bem como o conhecimento e discussão da sociedade portuguesa quanto a tendências, desafios e políticas do setor da saúde. Desenvolve investigação para analisar novas tendências e desafios no setor da saúde, através de medições de impacto, estudos e análises em temas como Acesso aos Serviços de Saúde, Recursos Humanos e Envelhecimento da População.
Sobre a Fundação “la Caixa”
A Fundação ”la Caixa” iniciou em 2018 a sua implantação em Portugal, consequência da entrada do BPI no grupo CaixaBank. Em 2023, destina 50 milhões de euros a projetos sociais, de investigação, educativos e de divulgação cultural e científica.
Sobre a Nova SBE
A Nova SBE é a mais prestigiada business school em Portugal e uma das principais business schools da Europa. É a faculdade de ciências económicas, financeiras e de gestão da Universidade NOVA de Lisboa. O atual Dean é o Prof. Pedro Oliveira (PhD, University of North Carolina at Chapel Hill). A Nova SBE é membro do CEMS desde dezembro de 2007 e tem atribuição Triple Crown em todo o mundo, o que implica a acreditação pela EQUIS, AMBA e AACSB. Foi a primeira business school portuguesa a adquirir acreditações internacionais e reconhecimento de renome mundial no ensino superior. A visão internacional da Nova SBE também se reflete na adoção do inglês como o principal idioma de ensino. Mais da metade dos cursos de graduação e todos os programas de mestrado, MBA e PhD são lecionados em inglês.
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