Moçambique: Falta de financiamento coloca mais de 1 milhão de pessoas em risco

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O alerta é da Portugal com ACNUR, o parceiro nacional da Agência da ONU para os Refugiados. A violência no Norte do país e as catástrofes naturais provocadas pelas alterações climáticas, estão a deixar Moçambique, onde o financiamento é insuficiente, a braços com uma grave crise humanitária. A situação traz desafios acrescidos para quem presta apoio no terreno a pessoas refugiadas e deslocadas internamente, como é o caso do ACNUR.

 

1.62 milhões de pessoas em Moçambique necessitam de assistência humanitária urgente, devido à violência em Cabo Delgado e às recentes catástrofes climáticas. ©UNHCR/Hélène Caux

 

Com uma população de mais de 31 mil refugiados e requerentes de asilo, que fugiram de conflitos de países como a República Democrática do Congo, Burundi, Somália ou Ruanda, e mais de 1 milhão de deslocados internos resultantes, na grande maioria, da violência no Norte do país, Moçambique depara-se, atualmente, com 1.62 milhões de pessoas a necessitarem de assistência humanitária e proteção urgentes. A Portugal com ACNUR alerta para uma crise humanitária de larga escala, onde o financiamento não chega e é crucial.

“É necessário o apoio das pessoas e empresas para evitarmos que esta situação de subfinanciamento se agrave e a ajuda não chegue a um país que acumula anos de conflitos e as consequências de graves desastres climáticos”, explica Joana Brandão, Diretora Nacional da Portugal com ACNUR. Acrescenta também que “levarão a cabo a primeira campanha da Portugal com ACNUR para apoio à população deslocada de Moçambique”, uma campanha de sensibilização e angariação de fundos que a organização lançou este mês para ajudar a financiar as operações da Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR) em Moçambique.

A situação ganha uma dimensão ainda mais preocupante se olharmos para o contexto socieconómico do país: ocupa o 181º lugar entre 189 países no Índice de Desenvolvimento Humano de 2021, está regularmente exposto a eventos climáticos extremos, tais como ciclones e cheias, e, ainda, enfrenta os impactos da COVID-19 e surtos de doenças como a cólera. No terreno, o ACNUR tem vindo a redobrar esforços para dar resposta a esta população já desfavorecida e cuja vulnerabilidade aumenta de dia para dia.

E as múltiplas emergências mundiais em curso trazem desafios acrescidos por obrigarem ao redireccionamento da ajuda humanitária. Damien Mc Sweeney, Responsável do Departamento de Relações Externas do ACNUR, revela que o financiamento é limitado e está a tornar-se mais escasso à medida que os doadores desviam o financiamento para emergências de grande visibilidade, tais como a Ucrânia. Receamos não ser capazes de prestar serviços essenciais para salvar vidas, tais como o acesso a alimentos, abrigo e serviços básicos à população afetada”.

Porém, as dificuldades acrescidas não impedem o ACNUR de continuar a ajudar. “Apesar de sofrer de falta de financiamento, o ACNUR tem desempenhado um papel significativo em Moçambique. Liderou o mecanismo de coordenação de atividades de proteção e prestou serviços nesta área a 485 mil pessoas”, realça Mc Sweeney. Foram responsáveis também pela distribuição de artigos não alimentares a mais de 72 mil pessoas, apoiaram mais de 81 mil com serviços de Coordenação e Gestão de Campos, garantiram abrigo a mais de 10 mil e apoiaram mais de 66 mil com cuidados de saúde.

 

Violência em Cabo Delgado: “Não tivemos outra escolha senão fugir pelas nossas vidas"

Patrício Mponda é um dos milhares de deslocados internos apoiados pelo ACNUR em Corrane, na província de Nampula, e um entre os milhares de pessoas que testemunharam a violência em Cabo Delgado, no Norte do território moçambicano. A sua aldeia foi atacada três vezes, nas "duas primeiras vezes, fugimos para o mato e regressámos às nossas casas depois de terem saqueado tudo", começa por contar. "Durante o terceiro ataque, em julho de 2020, queimaram 70 casas, incluindo a minha, e decapitaram algumas pessoas. Não tivemos outra escolha senão fugir pelas nossas vidas". Para trás ficou a sua terra, a sua vida e uma grande dor, pelo seu sobrinho, de 22 anos, morto a tiro no segundo ataque, em abril de 2020, e pela sua filha de 24 anos que foi raptada na mesma ocasião e de quem nunca mais teve notícias.

 

Os ataques violentos em Cabo Delgado obrigaram mais de 1 milhão de pessoas a abandonarem as suas casas em busca de abrigo e segurança. ©ACNUR

 

À história de Patrício somam-se muitas outras em tudo semelhantes. Desde o início do conflito em Cabo Delgado, em outubro de 2017, mais de 1 milhão de pessoas foram obrigadas a fugir das suas casas. Cinco anos depois, os conflitos parecem continuar a alastrar-se pela região norte de Moçambique e o número de deslocados internos não para de aumentar. “De acordo com parceiros na região, uma nova série de ataques ocorridos entre janeiro e meados de março deste ano deslocou cerca de 24 mil pessoas para o distrito de Nangade”, revela Boris Cheshirkov, porta-voz do ACNUR. “Estas pessoas precisam de assistência humanitária urgente e serviços de proteção. Centenas de famílias estão, aparentemente, ainda em movimento”, alerta.

 

Desastres climáticos agravam crise e geram nova vaga de deslocados internos

Os recentes eventos climáticos extremos, como o ciclone Freddy em fevereiro e março deste ano, a tempestade tropical Ana em janeiro de 2022 ou o ciclone Gombe em março de 2022, trouxeram desafios adicionais tanto para as populações de deslocados do Norte do país, como para as comunidades de acolhimento. “Mais de 380 mil pessoas foram afetadas só na província de Nampula, incluindo dezenas de milhares de deslocados. Pessoas que necessitam urgentemente de assistência humanitária, incluindo materiais de abrigo para reconstruir as casas que ruíram durante a tempestade”, apela Boris Cheshirkov.

Patrício é um deles. Cerca de dois anos e meio depois de chegar a Corrane, a sua vida voltou a sofrer uma reviravolta quando a província de Nampula foi devastada pelo ciclone Gombe. Os ventos alcançaram os 190 quilómetros por hora e fizeram voar o telhado da sua nova casa e as paredes de lama começaram a desmoronar-se. Em menos de nada, Patrício e a família viram-se novamente sem casa e desamparados. "A minha mulher Anastasia e os nossos nove filhos assistiram em choque ao que estava a acontecer", diz Patrício. "Em poucos minutos, ficámos de fora". Os frágeis abrigos que albergam as pessoas deslocadas e refugiadas não tiveram qualquer hipótese contra a ferocidade do Gombe.

 

Patrício Mponda, um dos deslocados internos devido à violência em Cabo Delgado, foi também afetado pelo ciclone Gombe, que o deixou novamente sem casa. ©UNHCR/Hélène Caux

 

O ACNUR tem procurado mobilizar, com urgência, abrigo e outros bens essenciais para apoiar 62 mil refugiados, deslocados internos e membros das comunidades de acolhimento que já apoiava e reparar as infraestruturas danificadas nos vários campos. A organização está a apostar fortemente na construção de novos abrigos resistentes ao clima feitos com madeira e bambu de origem local, reforçados com cordas recicladas de pneus velhos e com chapas de zinco para os telhados. Já Patrício mostra-se feliz por ter de novo um teto e um local seguro para se abrigar e à sua família. "Quando comparo o abrigo anterior com este, o novo abrigo é muito melhor. Sei que me sentirei mais seguro nesta casa, caso haja novos ciclones ou tempestades tropicais", conta.

Até agora, cerca de 300 novos abrigos foram construídos em Corrane, com planos para construir mais 250 até ao final do ano. Uma operação que requer um grande esforço e investimento por parte da Agência da ONU para os Refugiados e para a qual vai necessitar de mais fundos. “O financiamento adicional é urgente e todos podemos contribuir para ampliar as atividades humanitárias", recorda a Diretora Nacional da Portugal com ACNUR.

 

O ACNUR já ajudou a construir 300 novos abrigos resistentes ao clima para pessoas refugiadas e deslocadas internamente. ©UNHCR/Hélène Caux

 

Damien Mc Sweeney alerta também para as implicações a curto prazo da falta de financiamento em Moçambique: “devido à falta de fundos, muitas pessoas podem não ter acesso a abrigo adequado e a itens básicos de socorro, tais como cobertores, colchões e kits de higiene, expondo-as (e às suas famílias) a maiores riscos de proteção e danos físicos, particularmente durante a estação chuvosa”. E acrescenta que, “este subfinanciamento histórico significa que muitas pessoas deslocadas à força podem ficar sem acesso a serviços críticos de assistência e proteção, tais como assistência jurídica, apoio psicossocial, serviços de documentação civil, prevenção e resposta à violência baseada no género, proteção infantil e encaminhamento de pessoas com necessidades específicas para serviços especializados”.

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