Retorno inesperado de 1,46 milhões de refugiados afegãos no Irão e Paquistão ameaça recursos já limitados do país

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Passados 3 anos desde a tomada do poder pelo governo talibã, a situação humanitária no Afeganistão atinge um ponto crítico. O retorno apressado de milhões de refugiados afegãos provenientes do Irão e Paquistão e os desastres naturais que não dão tréguas na região estão a agravar a fome, a pobreza e a colapsar os sistemas do país.

 

O retorno em massa de refugiados afegãos do Irão e Paquistão está a agravar a crise humanitária no Afeganistão numa altura em que se assinalam 3 anos da tomada do poder pelos talibãs. ©UNHCR/Oxygen Empire Media Production

 

Somam-se já 3 anos desde o dia 15 de agosto de 2021, data em que o Afeganistão mudou drasticamente com a tomada de poder pelo regime talibã. E, embora esta mudança de regime tenha acabado com a maioria das hostilidades e conflitos que afetavam o país há já 20 anos, a situaçao humanitária no país tem vindo a agravar-se. “Ao contrário da tendência que marcou as últimas décadas, o conflito já não é o principal fator de deslocação forçada no país, mas sim a pobreza, a fome e as constantes catástrofes naturais. 3,25 milhões de afegãos continuam deslocados dentro do país e mais de 5,5 milhões são refugiados registados ou afegãos em situação de refúgio noutros países da região”, explica a Responsável de Marketing e Comunicação da Portugal com ACNUR, Joana Feliciano.

É no Irão e no Paquistão que se encontram a maioria destas pessoas forçadas a fugir do Afeganistão, com os dados atuais do ACNUR a contabilizarem cerca de 2,2 milhões de refugiados afegãos registados. Contudo, as autoridades destes países estimam que este valor ascenda aos 7,7 milhões de afegãos e que, só desde 2021, tenham chegado ao Irão e Paquistão cerca de 1,6 milhões de refugiados. No entanto, durante os últimos meses, a realidade dos refugiados afegãos nestes países deteriorou-se muito, o que levou uma larga maioria a querer regressar ao seu país de origem.

No Paquistão, uma nova resolução do governo anunciada em outubro de 2023 que dava conta da intenção de deportar os cidadãos estrangeiros sem documentos que vivessem no país levou a que, entre meados de setembro de 2023 e meados de março de 2024, mais de 531 mil afegãos regressassem ao seu país de origem. Já no Irão, a difícil situação socioeconómica e o aumento dos sentimentos anti-afegãos, com o crescimento da retórica xenófoba e do comportamento discriminatório em relação a estes refugiados, forçaram também muitos deles a regressarem ao Afeganistão. Além disso, os casos de prisão, detenção e deportação de afegãos no Irão têm vindo a aumentar de forma consistente desde 2021. Prevê-se que estes movimentos se mantenham nos próximos meses com as estimativas a indicarem que mais de 1,46 milhões de afegãos do Paquistão e do Irão regressarão ao país de origem em 2024.

Durante o ano de 2024, cerca de 1,5 milhões de afegãos provenientes do Irão e Paquistão deverão regressar ao seu país de origem, pressionando os seus já frágeis sistemas e os recursos limitados das populações. ©UNHCR/Oxygen Empire Media Production

 

Números estes que levarão a emergência humanitária no Afeganistão a atingir um ponto crítico.“Este regresso abrupto de centenas de milhares de afegãos veio agravar substancialmente a crise humanitária no Afeganistão e sobrecarregou ainda mais os sistemas do país e as suas comunidades, que lidavam já com recursos bastante limitados”, constata Joana Feliciano. Apesar das suas próprias necessidades humanitárias graves, as comunidades afegãs estão a reforçar os esforços para acolher da melhor forma possível as pessoas deslocadas e receber os retornados do Paquistão e do Irão. É para estas comunidades que a Portugal com ACNUR direciona o seu apelo: “O apoio direto às comunidades de acolhimento é imperativo, tendo em conta as crises em curso no país e o elevado número de regressos. Sem associar a ajuda humanitária a um apoio sólido a médio e longo prazo por parte da comunidade internacional, as comunidades locais podem ficar sobrecarregadas, o que se traduzirá em mais pobreza, riscos de proteção e novas vagas de deslocações forçadas.

Para quem regressa ao país ou às suas antigas aldeias, as dificuldades para se reestabelecerem também são muitas e enfrentam uma realidade verdadeiramente desafiante: sem casa, sem comida e sem apoios, infraestruturas destruídas, sistemas alimentares e de saúde em colapso… uma vida que já nem reconhecem. “A primeira vez que regressei, fiquei muito triste. Antes era uma aldeia muito verde, com árvores de fruto, e quando regressei estava tudo destruído", conta Mohammad, um afegão deslocado internamente. Desde janeiro de 2023, o ACNUR já prestou assistência a cerca de 94 mil deslocados retornados com serviços de proteção que salvam vidas: apoio a mulheres e raparigas, abrigo, alimentação, água e saneamento básico, artigos de primeira necessidade, assistência em dinheiro, programas baseados na comunidade e apoio psicossocial.

 

Novas vagas de cheias repentinas também forçam deslocações

Além dos principais motivos apontados pelos refugiados afegãos para regressarem ao país – elevado custo de vida, oportunidades de emprego limitadas, reunificação da família e medo de detenções, de deportações e de perseguições e disciminações -, os desastres naturais também têm tido um papel relevante. As catástrofes naturais devastadoras e emergências induzidas pelo clima, incluindo terramotos mortais no Afeganistão em 2022 e 2023 e as inundações e terramotos no Paquistão e no Irão em 2022, contribuíram para que novos movimentos de deslocação forçada ocorressem e que muitos deslocados procurassem regressar aos seus território de origem, agravando a emergência humanitária já muito complexa que aí se vive.

Said Khanim é uma mulher afegã com 5 filhos que se vê agora numa situação dramática devido às repentinas e devastadoras cheias que atingiram o Afeganistão em maio deste ano. ©UNHCR/Caroline Gluck

 

Este tem sido precisamente um dos maiores desafios que as equipas de ajuda humanitária no terreno têm enfrentado no decorrer deste ano. “Só nos últimos 3 meses, várias regiões do Afeganistão viram-se afetadas por cheias repentinas e devastadoras que deixaram um rasto de destruição para trás e várias pessoas foram novamente forçadas a deslocarem-se. A última vaga de cheias ocorreu há precisamente um mês e as necessidades são muitas entre uma população já muito fragilizada, contextualiza a Responsável de Marketing e Comunicação da Portugal com ACNUR. Said Khanim, uma afegã, mãe de 5 filhos, afetada pelas cheias de maio, relata que "não temos nada: nem combustível para cozinhar, nem comida, nada. Recebemos algumas ajudas dos vizinhos, mas dependemos quase exclusivamente de chá e pão. Estamos a viver em grandes dificuldades, sem nada do que tínhamos. Estou muito preocupada com o futuro". Desde o início do ano, a ONU calcula que mais de 145 mil pessoas foram afetadas por catástrofes em todo o Afeganistão.

 

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