Estudo conclui que aves migradoras podem não conseguir ajudar as plantas a fugir das alterações climáticas

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Um estudo publicado hoje na revista Nature, com a participação de investigadores de 13 instituições europeias, incluindo a Universidade de Coimbra (UC) e a Universidade do Porto (UP), concluiu que as aves migradoras dispersam sementes principalmente na direção contrária ao que seria necessário para ajudar as plantas a escapar às alterações climáticas.
 
As aves migradoras podem ajudar as plantas a adaptarem-se às alterações climáticas comendo os seus frutos e dispersando as suas sementes para locais mais favoráveis. No entanto, este novo estudo mostra que a grande maioria das espécies de sementes de florestas europeias é dispersada por aves durante a sua migração em direção a latitudes mais quentes, no sul, e apenas uma minoria para latitudes mais frias, a norte – ao contrário do que as plantas precisariam para se adaptarem ao aquecimento global.
 
Os resultados desta investigação são fundamentais para compreender, travar e mitigar os efeitos das alterações climáticas na biodiversidade.
 
Em consequência do aquecimento global, as condições climáticas ideais para as espécies estão a deslocar-se para latitudes mais frias, levando a uma redistribuição da biodiversidade a nível planetário. Na Europa, este movimento acontece no sentido Sul-Norte. No entanto, enquanto os animais se podem deslocar de forma independente, as plantas dependem, em grande medida, dos animais frugívoros e em especial das aves migradoras, para dispersarem as suas sementes para locais com condições mais favoráveis.
 
«Sabemos que o clima está, e vai continuar a aquecer, e em resultado disso, muitas espécies na Europa estão a deslocar-se de áreas que se estão a tornar demasiado áridas e quentes - a sul - e a expandir-se para novas áreas onde as condições se estão a tornar mais favoráveis - a norte. Para os animais, incluindo para nós, este movimento é mais fácil, mas muitas plantas precisam da ajuda dos animais, que ao consumirem os seus frutos acabam depois por depositar as sementes em novos locais onde as plantas podem crescer. As aves migradoras, muitas delas deslocando-se centenas de quilómetros em poucas horas, têm um papel muito importante na prestação deste serviço de boleias gratuitas à escala global», explica Ruben Heleno, investigador do Centro de Ecologia Funcional (CFE) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), coautor do estudo.
 
A investigação baseou-se no estudo das interações entre plantas e aves frugívoras em 13 florestas de 6 países europeus, incluindo uma floresta em Souselas – Coimbra, onde durante 6 anos os investigadores portugueses estudaram quais as espécies de aves que dispersam cada espécie de planta e em que fase da migração. No total, o estudo envolveu 949 interações entre 46 espécies de aves e 81 espécies de plantas com fruto.
 
O estudo mostra que apenas 35% das espécies de plantas são dispersadas por aves quando estas estão a migrar em direção ao norte, enquanto que 86%, a grande maioria das espécies, são dispersadas quando as aves que consomem os seus frutos estão a voar em direção a latitudes mais quentes a sul.
 
«As aves migradoras são o veículo perfeito para levar plantas que produzam bagas para novos sítios, e podem ajudá-las a mudar a sua distribuição face às atuais alterações climáticas. Contudo, demonstrámos que somente um terço das plantas pode contar com as aves migradoras para se expandir para norte, de forma a conseguirem manter os seus nichos ecológicos atuais», salienta Luís da Silva, investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO) da Universidade do Porto, coautor do estudo.
 
Algumas aves são especialmente importantes a dispersar as plantas para norte
 
Na Europa, as aves migram de sul para norte na primavera, e de norte para sul no outono. Este estudo mostra que as aves que passam o inverno no sul da Europa e no norte de África são especialmente importantes para ajudar as plantas a deslocarem-se para latitudes tendencialmente mais favoráveis a norte.
 
Este importante serviço é providenciado por poucas espécies, entre as quais o Pisco-de-peito-ruivo, a Toutinegra-de-barrete-preto e várias espécies de tordos, todas elas ainda relativamente comuns na Europa. No entanto, algumas delas são caçadas de forma legal e ilegal em vários países da bacia do Mediterrâneo, apesar do seu importante papel ecológico.
 
Os autores do estudo sugerem que esta dificuldade em encontrar dispersores adequados pode condicionar a composição específica das florestas europeias no futuro, uma vez que muitas plantas podem ficar para trás. As espécies de plantas que não conseguirem acompanhar a deslocação das suas condições preferenciais de sobrevivência terão que enfrentar climas mais áridos, secos e quentes no sul.
 
O artigo científico está disponível em: https://www.nature.com/articles/s41586-021-03665-2
 
Legendas das fotografias em anexo
 
Fotografia: Turdus_philomelos_Ilex_aquifolium.jpg
Um Tordo-comum (Turdus philomelos) a comer um fruto de Azevinho (Ilex aquifolium). O longo período de frutificação do azevinho, desde o outono até ao final do inverno, sobrepõe-se com a migração do tordo-comum para norte, e por isso esta ave poderá ter um efeito importante a dispersar as sementes de azevinho para latitudes mais frias a norte (Créditos: David Chapman).
 
Fotografia: Sylvia_atricapilla_Cornus_sanguinea.jpg
Uma Toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla) a comer os frutos de Sanguinho-legítimo (Cornus sanguinea). Esta planta tem um período de frutificação curto durante o outono quando as Toutinegras-de-barrete-preto estão a migrar para sul. Portanto, as toutinegras que comem os seus frutos terão uma elevada probabilidade de levar estas sementes para sul, onde elas vão enfrentar temperaturas mais quentes no futuro (Créditos: Luis Ojembarrena).
 
Fotografia: Turdus_merula_Rhamnus_alaternus.jpg
Um melro juvenil (Turdus merula) a comer os frutos de Sanguinho-das-sebes (Rhamnus alaternus). Aves não-migradoras, ou residentes, tendem a dispersar sementes a distâncias mais curtas, normalmente a menos de 1km da planta-mãe, o que provavelmente não será suficiente para acompanhar a velocidade a que o clima está a mudar (Créditos: Juan P. González-Varo).

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